Os nossos amigos
Se no passado todo eu era azáfama e alegria, hoje chegou o dia em que os dias passam por mim, senão quase iguais, pelo menos muito semelhantes. Poucos são aqueles que agora percorrem diariamente as minhas ruas... Na maior parte já estão cansados, senão da vida pelo menos dos desencontros e partidas que ela já nos pregou ao longo destes anos.
Não compreendo como podem esquecer e ignorar as terras que outrora eram o seu sustento e por vezes choro de revolta ao ver os campos abandonados. Não compreendem como é duro, olhar para estas encostas antes verdejantes, cultivadas e limpas e encontrar mato e silvas. Onde antes existia a ordem derivada do trabalho e do esforço, hoje reina a anarquia do abandono e descaso a que votaram estes montes. Não compreendem o perigo que isto representa? Não sabem que até a lei os obriga no mínimo a limpar o que nos rodeia? Infelizmente talvez só acordem quando formos invadidos novamente pelo inferno do fogo e este lhes chegar à porta das casas... Talvez então se apercebam que não basta ter algo, que uma propriedade não representa só direitos, mas que com ela vêm também deveres, nomeadamente os que actualmente já estão previstos pela lei.
Não preferiam ter encostas limpas e desimpedidas, onde as nossas crianças pudessem correr, brincar e explorar a natureza? Onde se possam fazer piqueniques e passeios?
Existem terrenos onde já nem os donos conseguem entrar, onde os herdeiros não têm sequer a ideia de onde começam e terminam as extremas porque os marcos ou desapareceram ou estão enterrados em anos de incúria e desleixo. Por favor não olhem apenas para mim, mas vejam-me tal como sou e estou... Parem para pensar no que me estão a tornar... Estou velho, abandonado, sozinho e ainda por cima nem se dão ao trabalho de quando me visitam pelo menos me lavarem a cara e darem um arranjinho nos meus cabelos...