Os nossos amigos
O Vale de Maceira (Santuário de Nossa Senhora das Preces) era nas décadas de 40 a 60 aquilo a que hoje se poderia chamar uma grande área comercial. Lembro-me de três grandes supermercados da época onde de tudo se vendia desde tecidos para a confecção de roupas, cobertores, lençóis e mantas de lã até utensílios para a agricultura. Enfim tudo o que hoje se vende em qualquer grande superfície poderia ser encontrado na mercearia da menina Assunção (que ainda hoje assim é tratada), um pouco mais acima era a mercearia do Sr.Anibal que tinha de tudo um pouco embora se destacasse na oferta dos tecidos, logo ao lado tínhamos a loja da tia Gracinda e um pouco mais á frente na Casa da Eira tínhamos alfaiate taberna e mercearia cuja oferta não era tão significativa como as restantes. Nesta serra toda a roupa era feita por costureiras cá da terra, o Vale de Maceira tinha várias assim como eu (Goulinho) tinha na casa da tia Maria Rosa a filha Celeste (já falecida) e a Dª Elisa (que ainda hoje pega na agulha embora a idade seja já avançada).
Vinha gente da Gramaça, Porto Silvado, Vale Torno, Barroja, Avelar e Chão Sobral ao domingo até ao Vale de Maceira pois era dia sagrado, como tal naqueles tempos todas as pessoas vinham à Missa, enchia-se a igreja e por vezes ficava gente à porta. Muitas raparigas e mulheres que vinham do lado da Gramaça e Porto Silvado vinham calçadas com calçado velho, quando chegavam à forja do tio João calçavam os melhores sapatos que traziam na sacola e algumas (não todas…) calçavam as meias. No final da Missa trocavam conversa com pessoas conhecidas ficando a saber as últimas novidades pois só se viam de oito em oito dias. Os mais novos falavam dos namoricos dos bailes que se faziam nas várias aldeias que era o grande divertimento da época pois não havia televisão e eram raros os que tinham uma telefonia. A grande atracção da altura eram sem dúvida os bailaricos, destacando-se os bailes na Gramaça devido aos seus grandes tocadores, lembro-me do ti Lameiras com o seu bandolim, os Freires com as suas harmónicas (mais tarde boas concertinas), não me podendo esquecer que o José da Barroca também se ajeitava bem nos bailes do Porto Silvado.
Eu também tinha cá os meus bailaricos… Ah se tinha! O mais antigo era na loja da forja mais tarde passou para a loja da tia Albertina e depois para a garagem do tio Acúrcio. Os tocadores eram muito bons, desde o tio Cristiano (marido da Dª Elisa), ao António Bárbara com a sua viola, o António Mendes de Vale de Maceira que era um artista a tocar guitarra e a cantar sendo uma figura única a dirigir o fado mandado. Faziam-se grandes desgarradas e os mais velhos de vez em quando também davam o seu pezinho de dança. As mães também estavam presentes, em especial para guardarem as filhas não aparecesse algum rapazote mais atrevido!
Esta era a minha vida… e é nestes momentos que me vem à mente o refrão daquela velha canção: “Ó tempo volta para trás…”
Hoje já só há missa quando o Padre Sousa quer ou pode e todas as mercearias fecharam. A crise começou nos finais dos anos 60 quando a juventude foi para outras paragens. Hoje só nos restam as pessoas idosas e já não são muitas, a desertificação acelera a grande velocidade e embora as aldeias apresentem bonitas casas muitas delas são colónias de férias para alguns dias de descanso… Resta uma aldeia na nossa freguesia que se chama Chão Sobral que tem sabido e bem segurar a muita juventude que tem… não sabemos é até quando…